Sabe, todo o fã de HQs gostaria do fundo de seu coração que os cineastas de um modo geral não metessem o bedelho em uma narrativa que, na maioria das vezes, eles não parecem compreender. Seja a construção, a forma ou, no final, o resultado geral, geralmente a transposição de uma forma narrativa para outro meio termina em algo, digamos, distante da forma original e algo completamente novo quando transposta.

Vejamos um exemplo recente, para deixarmos bem claro. O filme X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido, do diretor norte-americano Bryan Singer, sequer estreou, mas já divide opiniões entre os fãs dos personagens criados por Stan Lee e Jack Kirby. O motivo é bastante simples: a história das telas foi completamente modificada em relação ao seu original nas HQs. Não é qualquer arranjo, mas algo bastante significativo: como se a versão das telas derivasse de algum universo paralelo da Marvel…

São muitos os exemplos de longas que, baseados em HQs, terminaram como fiasco frente ao seu fandom original. Existem, claro, outros que surpreenderam – como as franquias Hellboy ou Sin City. Entretanto, geralmente tais tentativas terminam parindo interpretações de narrativas que mais parecem licenças poéticas para histórias consolidadas mas que desagradam a “perspectiva” daqueles que desejam vertê-las para outros suportes.

AkiraPoster1Parece papo de teórico, mas é bem por aí. A questão toda me veio à mente ao ver um trailer fan-made de Akira que ganhou a rede esta semana. Faz muito que se fala sobre um live-action com os personagens criados por Katsuhiro Otomo, porém nada de concreto se viu até agora. O problema é que o que se viu veio dos fãs de Otomo e não dos estúdios que pretendiam levar Akira às telas.

O trailer feito por fãs demonstra como funciona a lógica contemporânea por trás dos meios de comunicação e de como as formas narrativas podem ser construídas não só por criadores, mas também por recriadores. Quando alguns fãs mais abnegados e donos de saberes específicos se propõem a contar/recontar uma história, não há nada a se fazer senão apreciar o resultado. No caso do trailer criado pelo Akira Project, a dimensão é ainda maior.

Criado em 2012, um grupo de fãs decidiu realizar uma versão live-action do longa de animação Akira de 1988. A iniciativa louvável, antes que algum estúdio decidisse destroçar o longa original, foi organizada e contou com uma campanha de crowd funding que arrecadou pouco mais de US$ 3 mil para o projeto, mas que arrebanhou colaboradores para dar continuidade à idéia. O trailer que você viu acima levou um ano e meio para ser concluído, mas reflete bem a tendência de um segmento mais e mais ligado à lógica dos fãs: se a indústria não é capaz de ofertar algo que reflita as expectativas do fandom quanto a determinada expressão objeto de culto, este mesmo fandom criará sua própria versão deste algo cultuado.

A iniciativa Akira Project demonstrou na última semana que em uma atmosfera de apropriação dos meios de produção por aficcionados pode se traduzir em alternativas às formas produtivo-culturais consolidadas. No fim, que belo trailer resultou deste esforço midiático-colaborativo promovido por estes fãs.

Katsuhiro Otomo deve estar orgulhoso com o resultado da investida e os estúdios hollywoodianos devem estar correndo atrás dessa rapaziada pra saber a receita deles…

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