Há um plano que se repete em quase todos os filmes da série Mad Max de George Miller e é uma cena simples, recorrente, mas icônica: “Mad” Max Rockatansky com um olhar aparentemente perdido frente àquela espiral de eventos que o envolve e tendo tão somente o volante de seu turbinado e envenenado carro. O protagonista da trama criada por George Miller geralmente nos sugere a desesperança e inevitabilidade daqueles envolvidos pelo universo distópico e pós-apocalíptico que fez da série um dos clássicos do gênero. O espaço além do volante de sua máquina é o lugar mais ou potencialmente seguro para Max: aquele que enreda sua redenção.
Bem. Este mesmo espaço é o que transforma Imperator Furiosa, interpretada por Charlize Theron em Mad Max: Fury Road, na verdadeira força motriz do novo longa da série.
Provavelmente este foi o grande porém levantado por muitos daqueles que assistiram o filme na última semana – com uma pitada da boa e velha misoginia: uma mulher recuperando o legado de Mad Max e, pasmem, tornando a trama ainda mais frenética e brutal? Sim, amigos, Furiosa é quem disputa nossa atenção nesta nova aventura de George Miller.
Assim, como dizem por aí: apenas aceite…
No mais, o longa, tanto quanto Mad Max (1979) e Mad Max: The Road Warrior (1981), é uma fábula distópica sobre o mundo depois do fim: esgotados os recursos naturais, os combustíveis e os alimentos, o ser humano recorrerá ao seu pior. A fábula pretendida por Miller desde o primeiro longa da série a quase quatro décadas é sobre como incorporamos rapidamente tal “pior” e o que estaríamos dispostos a fazer para nos livrar disso. Max (agora interpretado por um competente Tom Hardy) nunca esteve muito interessado em lidar com este tal pior: desde o primeiro longa, a reserva e a cautela sempre foram as marcas do personagem – além da explosão de fúria incontrolável quando estas marcas são dispostas em conflito.
Os primeiros minutos deMad Max: Fury Road são por si uma das mais tensas sequências que o cinema de ação poderia ter produzido na última década: tentando se desvencilhar de seus captores, percorrendo desesperado os corredores de uma fortaleza enquanto uma horda de warboys corre em busca de sua cabeça, o que vemos é um Max sendo, claro, Max: mergulhado em um Inferno do qual somente se desvencilhará por um golpe de sorte…
Quando Furiosa decide sequestrar um carro de guerra, resgatar as escolhidas do lider Immortan Joe (em mais um inesquecível vilão levado a cabo por Hugh Keays-Byrne) e atravessar meio mundo em busca do “verde”, não resta opção a um submisso Max – atordoado pela visão de seus fracassos – senão acompanhar todo o conflito que resultará das decisões daquela mulher, sobreviver e acompanhar o desenrolar da missão da real protagonista do longa.
Esta me parece a principal questão em todo o longa: esqueçamos o turbilhão de imagens, explosões, dos personagens exageradamente insanos e mantenhamos o foco no conflito entre dois personagens igualmente poderosos – e que disputam nossa atenção sequência a sequência. Imperator Furiosa é Max mesmo quando não pretende sê-lo: todos os elementos que nos longas anteriores alimentavam o mito de Max Rockatansky foram raptados por Furiosa.
O momento em que Furiosa pinta seu rosto para a guerra que virá enquanto lida com a ira de Immortan Joe e seus warboys – procurando para isso atravessar o canyon dos motoqueiros em seu percurso rumo a uma aparente salvação – é um destes momentos em que o conflito entre o velho Max e sua contraparte feminina são evidenciados ao longo da trama, mas ele, Max, não se mostra desconfortável com tal situação, porém, para além disso, por diversas vezes o vemos surpreso com a força daquela que se coloca entre os que dela precisam e seus opressores.
Até que o velho e pouco louco Max retomem as rédeas de seu próprio longa, nos resta o clímax e uma nova corrida rumo a um mundo que precisa de algum rumo. No fim, Mad Max: Fury Road se apresenta como daqueles filmes de ação que aprendemos a gostar muito cedo e que, mesmo embalado por seus alertas sobre um distópico e sombrio futuro que nos aguarda, cumpre com maestria seu principal objetivo: nos deixar presos à poltrona enquanto “Mad” Max Rockatansky tenta achar algum sentido em um mundo sem rumo.
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