Artigos, Cinema, Crítica, Política

Sobre a vertigem…

Confesso que tudo o que me resta por dentro após assistir o documentário Democracia em Vertigem da diretora Petra Costa é tão somente desprezo e o mais cristalino, frio e nada incômodo ódio. O longa desvenda muito o que estamos a sentir nas últimas semanas, mas, pior, revela que as razões para os que, iguais a mim, questionavam esta tragédia farsesca, compreendiam a verdade oculta que nos atormenta.

O ponto de partida do longa de Petra é preciso: a esperança…

Aquela esperança que a todos envolveu e que brotou quando eleição de Luis Inácio “Lula” da Silva em 2002; uma que nos conduzindo com materialização de alguns anseios nos primeiros mandatos; a mesma esperança que nos fez ver uma mulher eleita presidente pela primeira vez em um país machista, misógino e canalha como este.

Uma esperança que sucumbe à tristeza e decepção que minara, desestruturara e destituira Dilma Roussef da presidência em 2016. Em seu lugar, sentimos o asco contínuo pelo que é colocado ilusoriamente: um governo de homens brancos, velhos… Ascende, no lugar de quem fora eleita pelo povo, um governo originado por um “grande acordo nacional com o Supremo e tudo” que procurará reestabelecer a “tradição” desigual de um país desigual e autoritário.

O filme de Petra Costa é feliz por mostrar nossos descaminhos, nossa tristeza, nossas mazelas e a distância irreconciliável que ora nos separa: Democracia em Vertigem é feliz ao demonstrar que ainda estamos longe de qualquer diálogo ou conciliação porque quem poderia trazer tal conciliar está preso por ousar desafiar as dinâmicas que sempre serviram para nos identificar como país.

“O retrato da nossa queda e de como esta ainda não terminou” poderia ser o resumo deste documentário que nos supre com imagens e falas poderosas capazes de traduzir a tristeza que nos une e o incômodo silêncio que nos envolve.

Silêncio. Ele está presente em todo o filme. Petra Costa dosa este mesmo silêncio com uma fotografia arrebatadora e momentos que pedem este mesmo silêncio para que possamos entender o que se mudou em nosso seio. Democracia em Vertigem demorará a ser superado como a mais fiel tradução dos anos em que a desesperança nos solapou.

Parabéns a Petra Costa por nos mostrar que ainda temos um longo caminhoa percorrer.

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Um redesenho em curso: o Jornalismo não será o mesmo após a #VazaJato do The Intercept Brasil

Enquanto o The Intercept Brasil segue desnudando os bastidores da Republiqueta Bananeira de Curitiba, talvez devessemos atentar para o redesenho que as revelações que a equipe comandada por Glenn Greenwald vem promovendo no cerne da própria prática jornalística e nos fundamentos de uma deontologia da profissão por aqui.

Desde o domingo, quando liberou partes da grande reportagem que promete devassar as relacões espúrias mantidas pelo ex-juiz e atual ministro da Justiça Sérgio Moro, o procurador e coordenador da Operação Lava-Jato em Curitiba Deltan Dallagnol e membros da força-tarefa da mesma operação, o The Intercept Brasil recorre a diferentes fundamentos jornalísticos que, senão esquecidos, pairavam sobre uma névoa que ignorava sua existência.

Não só a questão do sigilo sobre tudo o que diga respeito às fontes das informações/denúncias publicadas pelo site, mas sobre os detalhes de como estas mesmas informações são apresentadas, seus detalhes, seu impacto e como este dialoga com o compromisso ético de informar com clareza, sem subterfúgios ou arestas.

Se a partir de domingo diferentes jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão se desdobram para compreender o que proveu o The Intercept com o conteúdo sensível que ora tem sido revelado – criando culpados, sugerindo possibilidades ou mesmo adotando narrativas as mais non-sense -, a verdade é que a publicação tem se mostrado uma fortaleza na manutenção de seu protagonismo jornalístico e ético.

Ainda é cedo para afirmarmos os impactos que estas reportagens terão nos planos jurídico, político e social, mas o que tem sido mostrado e o que se apresenta como possível/passível de publicação pelo site aponta para um caminho sem volta.

Parabéns ao The Intercept: vocês são os donos da narrativa e, durante muito, esta sequência de eventos e publicações alimentarão os cursos de Jornalismo…

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