Diferente de seus pares surgidos com o “boom do indie rock” no início desta década, o Raveonettes se distingüia por flertar com uma sonoridade que flertava com o mais açucarado pop e o mais carregado feedback; do pandemônio de ruídos do Velvet Underground a Phil Spector e seu wall of sound, passando por crias deste cruzamento como Sonic Youth, Cramps e Jesus & The Mary Chain.
Piada fácil, logo as comparações ganharam o dia e a associação entre o som do Raveonettes e o JAMC ganhou mais atenção que o que a banda tinha a dizer; inspiração sobrepujando e obscurecendo inspirados: como se todos estivessem órfãos e procurando por um pouco de doçura e barulheira, o Raveonettes – como o Black Rebel Motorcycle Club – tiveram o “666 dos Reid” tatuado na testa. Entretanto, com a sucessão de discos, o que para muitos parecia pura “chupação” passou a cristalizar-se como marca do groupo. Lust Lust Lust, novo álbum dos dinamarqueses, comprova tal evolução.
O quarto trabalho do Raveonettes pode aparentar apenas um passo adiante na devoção que a banda nutre – especialmente Sune Rose Wagner (Guitarras e Vocais) – por bandas do quilate de JAMC, Sonic Youth e Velvet Underground. Porém como uma a primeira audição pouco ou nada pode dizer sobre um disco, basta um pouco de atenção à discografia da banda – e mais um pouco em torno de Lust Lust Lust – para que, após uma leitura das entrelinnhas, esta impressão perca seu sentido (ou pelo menos não se apresente como a mais evidente).
Como seu predecessor, Pretty in Black (2005), Lust Lust Lust soa mais contido – diferente de Whip it On (primeiro trabalho de 2002) e The Chain Gang of Love (2003). Contido, mas não limitado: é visível a evolução do Raveonettes enquanto banda; o mais grudento pop mesclado à muralha de feedbacks de guitarra tranformam canções como Aly, Walk With Me e Dead Sounds em canções impecáveis.
Reside aí, nesta combinação de elementos estranhos, mas não improváveis, uma das marcas do Raveonettes: Ronettes e Velvet Underground brincando com canções que beiram o mais grudento bubblegum embalados sob uma fórmula básica – canções com até quatro minutos e que tenham o acorde Bb Menor em sua base.
Em Lust Lust Lust, por sua vez, a “fórmula” é encarada como uma premissa para a construção de um álbum sólido. Aly, Walk With Me abre o disco e demonstra muito bem tal idéia: uma canção climática, densa e grudenta ao cubo. Hallucinations segue a mesma linha: cresce, explode e volta à contenção para repetir o mesmo processo e termina tomando de assalto nosso hipotálamo. Os vocais de Wagner e Sharin Foo (Baixo/Voz), beirando em alguns momentos o etéreo – lembrando Phil Spector -, pontuam ainda mais as canções com uma atmosfera pop.
Dead Sound e Black Satin são, desde já, duas das melhores canções do ano: perfeitas e donas de uma sonoridade capaz de fazer um bispo da Universal bater o “pezinho” desesperadamente e se perguntar se o “tinhoso” tem algo a ver com isso. Vale acrescentar que, com You Want Candy, esse mesmo cidadão se perguntaria o que diabos seria aquela sensação que o obriga a assobiá-la incontrolável e inexplicavelmente.
Lust Lust Lust periga não entrar em muitas das listas de melhores do ano; não chegará sequer perto de ser considerado como tal – o posto, até o momento, segue com PJ Harvey e seu impressionante White Chalk – mas merece a condição de “última grande surpresa de 2007″. Não é todo o dia que temos a chance de ouvir um disco verdadeira e deliciosamente divertido; um disco que teima em apontar para o lado divertido de se estar vivo: o tesão pelo rock’n’roll em sua melhor e mais pop tradução.
Disruptores, 9 de Dezembro de 2007.