Há algo que tem feito esta pandemia de Covid-19 um pouco menos desgastante neste interminável 2020: a coleção de discos de vinis que somente cresceu ao longo dela. Cresceu exponencialmente e atravessando os mais diversos gêneros: Jazz, Pop, MPB, Clássico, Rock’n’Roll… Se tem algo que posso me vangloriar é a diversidade dos meus discos, uma vez que ele atravessa todos os gêneros musicais que gosto.
Mas nunca fui um colecionador de discos de vinil, diga-se: isso é algo bastante recente. Antes dos “bolachões”, colecionava as “bolachinhas plásticas e brilhantes”: minha coleção de Compact Discs era, até pouco, a “menina dos olhos” aqui de casa. O primeiro CD que comprei, o “Document” do R.E.M., estava na minha coleção desde o distante ano de 1991 – ano em que comprei meu primeiro tocador de Compact Discs.
De lá até a segunda metade de 2020, a coleção de CDs já continha algo em torno de 1.000 discos que eram cuidados com toda a atenção e cuidado…
Mas em meados de 2016, enquanto circulava pelo Sebo Cata-Livros, um dos mais longevos aqui em Natal/RN e que é comandando pelos amigos Jácio e Vera, dei de cara com um toca-discos usado que eles tinham à disposição por lá. Era um Belt Drive da Kenwood que me fisgou de imediato: comprei o toca-discos, levei para casa e, a partir dali, passei a adquirir discos de vinil com alguma regularidade.
E aqui, antes de prosseguirmos, cabe uma explicação…
Em geral, os toca-discos estão divididos basicamente em dois padrões: Belt Drive e Direct Drive. Os toca-discos Belt Drive são aqueles que têm o “prato” onde o disco de vinil é colocado ligado ao motor através de um sistema de roldanas de borracha. Já os Direct Drive são aqueles toca-discos em que “prato” e motor integram o mesmo elemento. Há fãs para os dois sistemas, mas gosto dos dois – mesmo que atualmente tenha em casa um Technics Direct Drive.
Muito se falou sobre o fim dos discos de vinil com a chegada do Compact Disc entre as décadas de 1980 e 1990, mas, também, sobre o fim das mídias físicas com a expansão do Streaming a partir dos anos 2010, mas o que ocorreu foi a expansão dos discos de vinil em uma escala que, recentemente, superou a dos CDs – primeira inovação que se apresentava como um dos fins para o vinil.
Mas o que motiva afinal esse retorno dos discos de vinil? Para muitos, pura nostalgia: velhos entusiastas do formato estariam investindo nessa mídia e, com isso, estimulando tal retorno.
O único porém que tal raciocínio encontra, no entanto, diz respeito ao público: uma pesquisa recente apontou que cerca de 57% dos consumidores de vinis encontra-se na faixa entre 15 e 25 anos de idade e outra parcela significativa entre 25 e 35 anos, enquanto outros cerca de 25% dos consumidores de discos de vinil está entre os 35 e 35 anos.
Creio que o que motiva boa parte desses consumidores de discos de vinil tem a ver com algo que defino como complementaridade da experimentação: o vinil exige uma maior imersão no processo de ouvir música e não está resumido a apenas um sentido, mas aos mais variados.
Ouvir a um disco de vinil implica não apenas a escuto, mas, sobretudo, o estímulo às componentes visuais, táteis e, porque não, olfativas até desse mídia. Por isso creio que a experiência de ouvir um disco de vinil seja algo mais amplo, complexo e complementar que ouvir uma canção em um serviço de streaming.
A persistência dos discos de vinil é um indicativo de que a lógica de uma “sobreposição das mídias” é tão somente simplista, não dando conta das diferentes dinâmicas que podem envolver à longevidade de uma tecnologia ao longo do tempo – especialmente se considerarmos como diferentes sujeitos interagem e consomem essa mesma tecnologia.
Quando um geração que cresceu com o digital do streaming e adota um suporte calcado no analógico como os discos de vinil vemos não apenas a perspectiva de uma complementaridade entre mídias, mas a persistência de uma delas em relação aos que imaginavam-na superada – como outras recentes, bastando pensar em tecnologias como os Laser-Discs, o VHS ou mesmo as fitas K7.
Voltar aos discos de vinil me leva a constatar que uma mídia depende, sobretudo, do desejo de seus entusiastas por experimentar os limites de uma mídia. Longa vida aos bolachões, meus amigos!